terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O desejo e o alcance

Na recente visita do grupo de inquérito do Parlamento Europeu à intervenção da troika, e durante um encontro com estes, o governador do Banco de Portugal informou que, entre o final de 2012 e outubro de 2013, o endividamento das empresas públicas aumentou mais de 1,1 mil milhões de euros e que, desde o inicio do programa de assistência financeira, aumentou cerca de 565 milhões de euros.
Ainda nesta apresentação aos deputados europeus, o governador deu nota de que a situação até apresentou melhorias durante a segunda metade de 2012, mas que, em 2013, voltou a deteriorar-se, à medida que o Estado foi reconhecendo as novas dividas, no âmbito da reestruturação das empresas e dos cortes nas transferências correntes, acordadas anteriormente com a troika.
Já em finais do passado ano o Conselho de Finanças Públicas tinha alertado para as consequências que poderia ter a integração de mais empresas do Estado nas contas nacionais, a partir de 2014. As estimativas apontavam para um impacto de cerca de 5.5 mil milhões de euros na divida pública, correspondendo a um agravamento de 3,4% do PIB. Para ajudar a ter a ideia da dimensão e impacto, este montante é equivalente à receita com as privatizações previstas no memorando, mas é um valor que ainda está longe de ser suficiente para “limpar” toda a divida do setor empresarial do Estado.
Neste filme de terror, as EP´s do setor dos transportes são campeãs e garantem grande parte desta divida, criada e acumulada ao longo de décadas.
Este é o cenário dantesco que está em cima da mesa e que, de múltiplas e variadas formas, tem, certamente, condicionado algumas das decisões, nomeadamente, na abertura das operações de transporte público ao setor privado, pese embora o tortuoso caminho encetado no processo de fusões operacionais, cujos resultados são de duvidosa eficácia.
Ainda assim, a Tutela encetou a não menos complexa tarefa de conferir ao setor um novo desenho institucional, alterando competências de entidades já existentes e criando novas entidades reguladoras, por forma a conferir mais transparência e competitividade. Também aqui a coisa está emperrada, pois além da enorme confusão criada, causou um enorme desnorte nas entidades existentes, não sabendo estas quais são, afinal, as suas competências e muito menos as formas de articulação entre elas. Se adicionarmos a isto a demora na promulgação dos estatutos das novas entidades e a redefinição das já existentes, fica completo o quadro atual de incerteza e confusão generalizada que hoje impera.
Percebe-se, assim, a genuína felicidade que o atual responsável da Tutela dos Transportes afirma que sentirá se, ao terminar o seu mandato, deixar a arquitetura organizacional desenhada e a funcionar de forma eficiente. No entanto, temo que a determinação, vontade e empenho demonstrados não sejam suficientes para que tal aconteça, visto que muitas das decisões são fatores exógenos às suas competências, estando assim capturado por outras agendas e prioridades.
Ainda assim, faço votos que atinja o pleno da felicidade, pois ao atingi-la, ficaremos todos melhor, mesmo sabendo que, como dizia Virgílio Ferreira:

"Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem.
A felicidade consiste em fazer coincidir os dois."


Por José Monteiro Limão

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